domingo, 16 de setembro de 2018

A beleza do "Credo Apostólico"

O Credo Apostólico é a mais antiga e a mais simples declaração de fé dos cristãos. Muito embora não tenha sido escrito pelos próprios apóstolos, trata-se de um excelente resumo do que eles ensinavam, e todos os seus termos estão amplamente fundados na mensagem do Novo Testamento. Desde o século quarto, já possui fórmula estável, e todas as pequenas variações tinham desaparecido por volta do século sétimo (MCGRATH, p. 13-16). 

Como todo credo, está apto a desempenhar ao menos três funções. A primeira é justamente a de oferecer um resumo da fé cristã. A segunda é a de combater versões incompletas ou insuficientes de cristianismo. E a terceira é a de destacar o fato de que crer em Jesus é também pertencer à comunidade dos que compartilham a mesma fé (MCGRATH, p. 17-19).

Nas belíssimas palavras de Alister McGrath,

Todas as tradições cristãs reconhecem a importância e a autoridade dele como padrão de doutrina. Estudar o Credo Apostólico é investigar um elemento fundamental da herança cristã comum a todos nós. É uma afirmação das convicções básicas que unem os cristãos de todo o mundo e de todos os séculos (MCGRATH, p. 16,17).

Assim, num tempo de tanta confusão e conflito, é uma bênção lembrar e declarar em alto e bom som:

Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, 
Criador do Céu e da terra. 
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, 
que foi concebido por obra do Espírito Santo; 
nasceu da virgem Maria; 
padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, 
foi crucificado, morto e sepultado; 
ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; 
subiu ao Céu; 
está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, 
donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo; 
na santa Igreja católica; 
na comunhão dos santos; 
na remissão dos pecados; 
na ressurreição do corpo; 
na vida eterna. 
Amém.


Referência bibliográfica

MCGRATH, Alister. Creio: um estudo sobre as verdades essenciais da fé cristã no Credo Apostólico. Trad. James Reis. São Paulo: Vida Nova, 2013.


sábado, 15 de setembro de 2018

Carta aos meus amigos católicos

Amigos queridos,

Peço perdão a cada um de vocês. Durante a infância, a adolescência e parte da vida adulta, eu, que sou filho e neto de protestantes, olhei para o catolicismo com desprezo. Muitas vezes atribuí as tragédias brasileiras à colonização conduzida por um país católico. Em outras, considerei que o verdadeiro cristianismo, esquecido ao longo de séculos, foi retomado com a Reforma e, desde então, vivenciado exclusivamente pelos herdeiros de Calvino e Lutero. Com muita frequência, imaginei que Deus, o Deus único e verdadeiro, Criador dos céus e da terra, tivesse relacionamento apenas com os que compartilhavam a minha experiência de fé, considerando todos os outros, e vocês em especial, como os que estavam separados de Deus, presos à idolatria e ao erro. Eu confesso tudo isso, meus amigos, e lhes peço perdão. Fui tolo, arrogante e presunçoso.

Agradeço a cada um de vocês e à tradição em que estão inseridos pela preservação dos ensinamentos de Cristo, pela coragem de levar o Evangelho a todas as regiões do mundo, e ao Brasil em especial, pela vida de tantos homens e mulheres que deram exemplos de fé e que escreveram textos tão preciosos, e pela capacidade, demonstrada ao longo dos séculos, e até os dias de hoje, de ter uma voz pública consistente e de utilizá-la para defender os valores eternos. 

Por fim, quero convidá-los a celebrar a nossa fé comum, explicada nas Escrituras, e resumida no Credo dos Apóstolos, reconhecendo as diferenças, amando uns aos outros, exortando uns aos outros, ensinando uns aos outros, aprendendo uns com os outros, e espalhando a mensagem da cruz, que é a única esperança num mundo perdido e doente.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

É possível ser cristão e inteligente ao mesmo tempo?

INTRODUÇÃO

De acordo com o IBGE, somados católicos e evangélicos, mais de 80% da população brasileira professa o cristianismo como religião pessoal. Isso poderia sugerir que, no Brasil, a fé cristã possui elevada credibilidade. Mas não é bem assim. Em geral, imagina-se que só é razoável ser cristão de dois modos: ou não levar o cristianismo a sério ou colocar a razão em segundo plano. Ser cristão ortodoxo e inteligente, ao mesmo tempo, é algo difícil de conceber. 

Para discutir o assunto, pretendo abordar, nas próximas linhas, fatores que poderiam ter contribuído para o fenômeno, possibilidades fáceis (e falsas) para o seu enfrentamento e, por fim, requisitos para uma abordagem mais adequada.

I. Tentativa de compreender o problema

1. A natureza predominantemente simbólica do catolicismo brasileiro

Talvez não como fenômeno global, mas ao menos no caso brasileiro, o catolicismo parece depender muito de símbolos e rituais, frequentemente praticados sem a compreensão de seu valor interno, deixando de fornecer aos fiéis uma estrutura intelectual de articulação de suas crenças mais elementares. Por isso, se eu não estiver enganado, pode ser comum encontrar católicos que não possam falar adequadamente sobre temas tão centrais da fé cristã quanto pecado, salvação, graça e ressurreição. Tendo em vista a importância do catolicismo, sobretudo do ponto de vista histórico, esse pode ser um fator importante para a dificuldade de expressão pública do cristianismo no Brasil.

2. A raiz anti-intelectualista do protestantismo brasileiro

Com algumas exceções, a fé protestante chegou ao Brasil filtrada pela experiência de cristãos norte-americanos que, em boa medida, continha traços de anti-intelectualismo. Se eu não estiver enganado, de modo sorrateiro, mas muito persistente, as igrejas evangélicas brasileiras ainda previnem os fiéis contra os perigos da filosofia e da ciência. E isso seguramente não ajuda na articulação pública da fé cristã.

3. A tradicional influência marxista nas universidades brasileiras

A influência histórica do marxismo nas grandes universidades brasileiras é fato geralmente admitido. E o tratamento fracamente negativo do fenômeno religioso, característico de suas mais variadas vertentes, pode ser utilizado como base para ataques frontais ao cristianismo, mas, de modo ainda mais frequente e com repercussões ainda mais significativas, acaba se infiltrando sutilmente na compreensão popular da fé cristã.

4. A difusão do novo ateísmo nas universidades brasileiras

O novo ateísmo difere do ateísmo clássico, entre outras coisas, por seu imenso fervor missionário. Para um intelectual como Richard Dawkins, por exemplo, não basta oferecer argumentos para duvidar da existência de Deus, mas é preciso converter as pessoas ao seu modo de pensar. E a religião, que poderia ser tida apenas como falsa ou artificial, é agora a raiz de todos os males, algo que se deve combater e eliminar. E é evidente que esse tipo de fermento não ajuda na compreensão pública da fé cristã.

II. Formas de resolver (ou melhor, evitar) o problema

1. Cristianismo “paz e amor”

Uma forma de contornar o problema da compreensão pública do cristianismo é adotar uma versão mais leve, mais suave, livre de pontos difíceis, totalmente compatível com as preferências do tempo e do lugar. O drama é que essa versão seria qualquer coisa menos cristianismo. O cristianismo, como qualquer outra religião, é o que é, e não o que alguém gostaria que fosse.

2. Cristianismo de olhos e ouvidos fechados

Outra forma de evitar o problema é reter as doutrinas cristãs e simplesmente não ver nem ouvir qualquer coisa que venha de fora. O drama é que o cristianismo, desconectado de seu entorno, é culturalmente irrelevante. E ao perder contato com pessoas de carne e osso e suas dúvidas legítimas, ele também deixa de ser uma opção para dar sentido à vida.

III. Requisitos para uma abordagem adequada

1. Ortodoxia

Para quem deseja articular o cristianismo com qualquer outra coisa, o primeiro passo é levar o cristianismo realmente a sério. Isso parece óbvio, mas deve ser dito. Qualquer tentativa de dissolver o cristianismo acaba dissolvendo também o problema. E levar o cristianismo a sério não é nem tão difícil assim. De forma bem didática, Alister McGrath sugere, para isso, a análise do credo apostólico. Seguindo outro caminho, mas com o mesmo resultado, C.S.Lewis afirma que há um corpo de doutrinas que bem pode ser chamado de “cristianismo puro e simples”, além, é claro, das ênfases que distinguem as várias confissões cristãs. E é essa base comum, defendida e experimentada pelos cristãos ao longo dos séculos, que deve ser utilizada na tentativa de articulação pública do cristianismo.

2. Sinceridade

O segundo requisito é ouvir as críticas com atenção e tentar compreendê-las em sua melhor luz. O desafio é não tomar as perguntas, todas as perguntas, como formas de ataque, mas entendê-las como pedidos de novos e melhores argumentos, acomodados ao estilo e às necessidades do tempo. De minha parte, se eu souber alguma resposta, prometo oferecê-la, gentilmente. Mas se não souber, prometo confessar, pedir ajuda, não tergiversar. 

CONCLUSÃO

Assim, nos próximos textos, pretendo tratar das críticas feitas ao cristianismo, tendo como referência o livro de Timothy Keller, para quem os tópicos mais relevantes são os seguintes: 

1. Não pode haver somente uma religião verdadeira.
2. Como um Deus bondoso pode permitir o sofrimento?
3. O cristianismo é uma camisa de força.
4. A igreja é responsável por muitas injustiças.
5. Como pode um Deus de amor mandar alguém para o inferno?
6. A ciência desacreditou o cristianismo.
7. A Bíblia não deve ser interpretada literalmente.

Críticas e sugestões serão sempre muito bem-vindas! 

Para quem não tem medo da verdade - de nenhum tipo de verdade - não pode haver perigo em estudar, meditar e discutir. Afinal, como diz o provérbio de Salomão: “A glória de Deus é ocultar certas coisas; tentar descobri-las é a glória dos reis”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KELLER, Timothy. A Fé na Era do Ceticismo. Trad. Regina Lyra. São Paulo: Vida Nova, 2015.

LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples. Trad. Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolla. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

MCGRATH, Alister. Creio: um estudo sobre as verdades essenciais da fé cristã no Credo Apostólico. Trad. James Reis. São Paulo: Vida Nova, 2013.