sábado, 26 de agosto de 2017

Perguntas honestas sobre a Escola Sem Partido

Nunca tinha me interessado pelo debate em torno da Escola Sem Partido. Hoje, no entanto, provocado por colegas muito queridos, comecei a estudar o assunto. E a primeira coisa que fiz foi justamente ler o projeto em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte (Projeto de Lei 274/17). Li e reli o texto, cuidadosamente. Ao final, fiquei com vontade de fazer umas perguntas. E ficaria muito feliz se elas fossem respondidas por um dos proponentes ou mesmo por algum entusiasta da iniciativa.

Em primeiro lugar, pergunto se o projeto ajuda na valorização da figura do professor e da carreira docente. Ao tomar como certo que o professor é um ser perigoso, que pode contaminar os estudantes com ideias subversivas, parece que a iniciativa não contribui para mudar o valor que o magistério possui entre nós. Quem se interessa pela educação deveria se perguntar o que faria se um de seus filhos desejasse se tornar professor na rede pública. É bastante provável que a escolha não contasse com um apoio muito entusiasmado. Sejamos francos: o magistério não é o tipo de carreira que os pais desejam para os filhos. E isso diz muito sobre a educação brasileira. Penso que os nossos bravos professores, mal remunerados, frequentemente desrespeitados e agredidos, precisavam antes de apoio que de um voto geral de desconfiança.

Em segundo lugar, pergunto se o projeto não se equivoca ao tomar a exceção pela regra. Se o professor, abusando de sua posição, prejudica ou constrange um aluno, por conta de ideias políticas ou religiosas, já existe regime disciplinar apto a puni-lo. Não parece razoável, no entanto, supor que todos os professores ou que a maioria deles adote esse tipo de comportamento. Com medo de uma conduta inadequada, o projeto prefere limitar a liberdade de expressão de todos os professores. O que pode estar por trás disso, na verdade, é uma certa adoração da lei, muito característica da cultura brasileira. Ao invés de investir em educação, mas investir de verdade, preferimos tentar resolver as coisas com umas palavrinhas colocadas no papel. 

Em terceiro lugar, pergunto se o projeto contribui para o fortalecimento da autonomia dos estudantes. Ao pressupor que não possuem aptidão de pensar por si, parece que o projeto não contribui para que se desenvolvam autonomamente. Imagino que, em sua base, encontra-se certa dose de desconfiança em relação à inteligência de meninos e meninas. Isso para não falar que parece desconhecer o quão amplo é o universo de informações a que têm acesso em nossos dias. 

Em quarto lugar, pergunto se o projeto considera adequadamente o papel dos pais na criação dos filhos. Ao pressupor que as ideias discutidas na escola moldarão necessariamente a forma de pensar das crianças e dos adolescentes, o projeto parece não acreditar na importância da educação que se oferece em casa. Se, por exemplo, na escola, todos os professores ensinam insistentemente que o amarelo é a cor mais bonita, os pais, em casa, sempre poderão apresentar as cores de que mais gostam. Se os professores tiverem melhor acesso ao coração e às mentes dos jovens, a culpa não será dos professores, mas dos pais que deixaram de fazer o que lhes compete.

Em quinto lugar, pergunto se não seria melhor admitir que todas as pessoas têm compromissos fundamentais com uma certa forma de ver o mundo e que é irreal a ideia de neutralidade em temas como política e religião. Parece muito mais produtivo sugerir que os professores indiquem claramente os seus pressupostos mais básicos do que proibir que eles se expressem livremente. O professor, quando entra na sala de aula, não pode deixar uma parte de si do lado de fora. Ele entra necessariamente inteiro. E o melhor que pode fazer, a bem de si e de seus alunos, é não esconder nada do que pensa, mas revelar, com a máxima franqueza, o modo como o seu pensamento é construído.

Em sexto lugar, pergunto se não seria melhor admitir que uma ideia, caso não soe adequada a um indivíduo ou a um grupo, somente pode ser combatida por outra ideia. É muito tentadora a possibilidade de impedir que pessoas manifestem opiniões de que não gostamos. Mas é muito perigosa, também. O caminho mais fácil é criar obstáculos à propagação das ideias que nos são contrárias. Mas, nesse caso, como em todos os outros, o caminho mais fácil não é o caminho certo. Se as ideias em voga não parecem adequadas, o jeito certo de combatê-las é contribuir para o estudo e a divulgação de outras que sejam melhores. Quem acredita que o seu modo de pensar é o mais correto não pode temer o debate. Ao contrário, deve se alegrar com a possibilidade de construir argumentos e submetê-los à crítica. Não há nada pior para o futuro de uma ideia errada do que a esfera pública. No confronto com outras, de melhor qualidade, uma ideia ruim não se sustenta. Sua única chance de prosperar, na verdade, é quando alguém decide empurrá-la para clandestinidade. 

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